Gestão Braide mantém contrato com empresa de sócio investigado na “máfia da merenda”

O prefeito de São Luís, Eduardo Braide (PSD), contratou sem licitação, por R$ 51 milhões, uma empresa que tem em seu quadro societário um empresário apontado como um dos participantes de suposto esquema criminoso que, mediante fraude em licitações e pagamento de propina, desviou recursos e superfaturou compras de alimentos para escolas da rede pública municipal de diversas prefeituras em São Paulo.

Aberta em janeiro de 2009, a RC Nutry Alimentação Ltda, de São Paulo, deverá seguir prestando serviços de preparo e distribuição de alimentação balanceada e em condições higiênicas e sanitárias adequadas aos alunos regularmente matriculados na rede municipal de ensino da capital maranhense, conforme contratação emergencial firmada pela Secretaria Municipal de Educação (Semed).

A empresa tem como sócio o empresário José Carlos Geraldo — que, em março de 2018, figurou na lista das pessoas físicas investigadas pelo Ministério Público Federal (MPF) junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) por formação de cartel em licitações públicas feitas por municípios do estado paulista para contratação de serviços terceirizados de fornecimento de merenda escolar, conforme parecer ministerial anexado ao Processo Administrativo nº 08012.010022/2008-16 ao qual o blog do Isaías Rocha teve acesso.

DOCUMENTO

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Na época, a investigação conduzida pela Superintendência-Geral do Cade (SG) concluiu que os executivos citados e as sete empresas enolvidas no esquema teriam trocado informações e se coordenado para fixar preços, obter vantagens nas licitações e dividir o mercado de merendas escolares nas regiões metropolitanas de São Paulo e Campinas e na região de Sorocaba. De acordo com as provas obtidas, os envolvidos mantinham reuniões periódicas para combinar e monitorar a divisão do mercado. Os encontros entre as concorrentes ocorreram na sede de uma das empresas.

Durante a apuração, a SG utilizou dados de mais de 40 mil documentos de compras públicas efetuadas entre os anos de 2008 e 2013, cuja análise confirmou os indícios de divisão geográfica do mercado afetado, apontados inicialmente por investigação do Ministério Público de São Paulo.

Em voto-vogal, o conselheiro Luís Braido afirmou que o conjunto probatório dos autos demonstrou a existência de cartel envolvendo as empresas SP Alimentação, Sistal, Geraldo J. Coan, Convida, Nutriplus e Terra Azul no Pregão 73/2006. Com relação ao lote 2 do Pregão 08/2009, as provas demonstraram que o cartel foi formado pelas empresas SP Alimentação, ERJ e Convida.

Pelas práticas anticompetitivas, o Tribunal do Cade condenou as empresas ao pagamento de multas no valor total de cerca de R$ 334 milhões. Já as pessoas físicas deverão pagar, no total, quase R$ 7 milhões.

Além do pagamento de multas, as empresas também foram punidas com a proibição de participar de licitação tendo por objeto aquisições, alienações, execução de obras e serviços e concessão de serviços públicos — junto à Administração Pública federal, estadual, municipal e do Distrito Federal — pelo prazo de cinco anos. Também foi determinada a inscrição dos infratores no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor e recomendado aos órgãos públicos competentes para que não seja concedido a qualquer um dos infratores o parcelamento de tributos federais por ele devidos.

RC Nutry sucedeu na prefeitura ludovicense a SP Alimentação que tinha como gerente comercial José Carlos Geraldo, hoje sócio da atual prestadora de serviço da gestão municipal.

“Máfia da Merenda” em São Luís

Apesar da investigação, o prefeito Eduardo Braide resolveu manter o contrato com a RC Nutry Alimentação Ltda, pelo valor global de R$ 51,3 milhões. O documento é assinado pelo secretário municipal de Educação em exercício, Maurício Evandro Martins Hiluy.

De acordo com as informações obtidas pelo blog, a RC Nutry tem a Spero Participações S/A como sócia majoritária, com 90% da empresa. Os outros 10% estão no nome de José Carlos Geraldo, que também é acionista do Grupo SP Alimentação.

O Grupo é formado por várias outras empresas, entre elas a SP Alimentação e Serviços Ltda, Terra Azul Alimentação Coletiva e Serviços Ltda, Verdurama Comércio Atacadista de Alimentos Ltda, Ceazza Distribuidora de Alimentos Ltda, todas citadas numa investigação da Polícia Federal sobre a “Máfia da Merenda”, que resultou na condenação dos envolvidos pelo Cade.

Contratada pela primeira vez na capital maranhense, em março de 2017, durante a gestão do então prefeito Edivaldo Júnior, a RC Nutry sucedeu na administração ludovicense a SP Alimentação que tinha como gerente comercial o senhor José Carlos Geraldo, hoje sócio da atual prestadora de serviço da gestão municipal. A contratação, entretanto, foi cercada de polêmicas e qeuestionamentos das concorrentes.

A condenação dos envolvidos por infração à ordem econômica levanta suspeitas de direcionamento e aponta para uma suposta atuação da ‘máfia da merenda’ também na capital maranhense, pois causa estranheza a contratação da RC Nutry em São Luís com base em parâmetros do contrato da SP Alimentação, cujo gerente comercial era sócio da atual contratada.

Parecer do MPF opinou pela condenação de José Carlos Geraldo, ex-gerente da SP Alimentação, atual sócio da RC Nutry

O que diz a regra?

De acordo com entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o crime de dispensa ilegal de licitação exige prova de dolo e de danos ao erário. Para a configuração do crime de dispensar ou declarar a inexigibilidade de licitação fora das hipóteses legais (artigo 89 da Lei 8.666/1993) é preciso haver a presença do dolo específico de causar danos ao erário e do efetivo prejuízo à administração pública.

O problema, entretanto, é que o caso da prefeitura de São Luís pode não se enquadrar na jurisprudência do STJ, já que os indícios trazidos à tona apontam para suposto crime de fraude à licitação, dispensando a comprovação de prejuízo e de obtenção de vantagem, conforme a súmula 645 do mesmo STJ.

Contrato com empresa que tem no quadro societário ex-gerente da SP Alimentação aponta indícios de direcionamento e atuação da ‘máfia da merenda’ em São Luís

Investigado negociou diretamente        

O blog apurou que foi o próprio investigado no cartel de merendas que negociou diretamente com a gestão Braide a manutenção do contrato, conforme ofício nº 002/2022 SAOF/SEMED, de 25 de março de 2022, enviado ao secretário Adjunto de Orçamento e Finanças, Jean Ribeiro da Silva.

No documento, o socio da RC Nutry responde um parecer favorável da assessoria jurídica da Semed à prorrogação de prazo excepcional do contrato, mas, deferindo o reajuste de um período (março/2021 a fevereiro/2022), no montante de 15,13% sobre valores que entende suficientes.

“Considerando que o contrato encontra-se em execução, e a fim de manter o aluído contrato em benefício do interesse público, evitando prejuízos à essa administração, esta peticionária se propõe a diminuir o percentual a que legal e contratualmente possui direito, requerendo que seja o reajuste no montante de 25,77% do valor a ser corrigido, conforme demonstrado abaixo”, frisou José Carlos Geraldo.

O que chama a atenção é que no processo de contratação outras concorrentes enviaram propostas mais vantajosas que a da RC Nutry tentou reajustar, mas a prefeitura ludovicense ignorou o menor preço e contratou empresa que já prestava serviço, mesmo com uma proposta mais cara que acabou sendo reajustada posteriormente.

RC Nutry tentou reajustar o contrato para R$ 67,6 milhões, mas voltou atrás e pediu para diminuir o percentual

Outro lado

A reportagem procurou a prefeitura para comentar as denúncias, mas não obteve resposta até a conclusão desta edição. A empresa citada também foi procurada, mas não conseguimos contato para que ela pudesse se manifestar.

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