O inquérito da Polícia Federal para apurar um suposto esquema de compra de vagas no Tribunal de Contas do Estado do Maranhão (TCE-MA), a pedido do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), divide opiniões desde o dia em que teve sua abertura anunciada, nesta sexta-feira, 15.

A investigação foi solicitada pelo ministro maranhense na semana passada, em despacho no qual ele negou a entrada da advogada Clara Alcântara como amicus curiae nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7.780 que questiona critérios de escolha de membros da Corte de Contas estadual.

A decisão de iniciar o inquérito, contudo, contraria a posição do própio STF em várias situações. Um exemplo disso é a interpretação que proíbe a utilização do controle concentrado de constitucionalidade como sucedâneo das vias processuais ordinárias.

“A jurisdição constitucional prestada por meio do processo de controle concentrado de constitucionalidade tem por objeto, única e exclusivamente, a validade formal ou material de leis e atos administrativos dotados dos atributos da generalidade, impessoalidade e abstração, por isso o seu caráter objetivo”, diz trechos do informativo de jurisprudência da Corte.

Interpretação considerada “elástica”

Assim, a base para dar início à investigação foi uma interpretação considerada “elástica” em relação à compreensão da Suprema Corte. Contudo, as controvérsias em relação ao inquérito contra o TCE-MA não param por aí. A medida também contradiz a interpretação do ministro Alexandre de Morais, reconhecido no ramo jurídico como um exímio constitucionalista.

Em setembro de 2023, Moraes confirmou a necessidade, sob pena de nulidade, de autorização judicial prévia para a investigação de agentes públicos com prorrogativa de foro. A decisão monocrática foi tomada em liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 7447.

Na ação constitucional, alegou-se afronta à Constituição Federal a respeito do foro por prerrogativa de função, uma vez que a jurisprudência da Suprema Corte afirma a necessidade de supervisão judicial desde a abertura do procedimento investigatório até o eventual oferecimento da denúncia.

Em seu voto no mérito da ação, o relator reiterou “que, de acordo com a jurisprudência do STF, as investigações contra autoridades com prerrogativa de foro na Corte se submetem ao prévio controle judicial, o que inclui a autorização judicial para as investigações. Esse mesmo entendimento tem sido aplicado pelo Supremo na solução de controvérsias relacionadas aos tribunais de segundo grau.

STF é contra inquérito irregular

Em julgamento realizado pela Primeira Turma do STF, no dia 12 de agosto de 2014, foi negado seguimento ao Inquérito nº. 3305, no qual um Deputado Federal era acusado de fazer parte de quadrilha destinada ao desvio de recursos públicos. A denúncia foi rejeitada em razão de o inquérito ter sido conduzido em primeira instância, mesmo depois da inclusão de parlamentar federal entre os investigados, usurpando a competência do Supremo.

O relator do inquérito, Ministro Marco Aurélio, ressaltou que o entendimento da Suprema Corte é de que a competência do Tribunal para processar autoridades com prerrogativa de foro inclui a fase de inquérito. Uma vez identificada a participação dessas autoridades, os autos devem ser imediatamente remetidos à Corte. “É inadmissível que uma vez surgindo o envolvimento de detentor de prerrogativa de foro, se prossiga nas investigações”, afirma. Seu voto foi acompanhado por unanimidade. “Apesar de não constar formalmente como alvo, o deputado estava sendo, aparentemente, investigado”, afirmou o ministro.

Investigação ‘supervisionada’ por órgão competente

Alguns doutrinadores também são firmes em suas posições e argumentações no tema sobre investigação criminal supervisionada no caso de prerrogativa de foro. Na opinião de Rômulo de Andrade Moreira, procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia e professor de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito da Universidade Salvador – UNIFACS, a competência por prerrogativa de função é estabelecida, não em razão da pessoa, mas em virtude do cargo ou da função que ela exerce.

“Todas as deliberações da Suprema Corte indicam que, quando o investigado possui prerrogativa de foro, a devida investigação criminal deve ser ‘supervisionada’ pelo órgão jurisdicional competente”, frisou o jurista em artigo publicado sobre a investigação criminal supervisionada no caso de prerrogativa de foro.

STF usurpou mais uma vez a competência do STJ

Como evidenciado, ao invés de encaminhar a denúncia à Polícia Federal, que poderia remeter o caso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) — encarregado de julgar crimes comuns cometidos por governadores e conselheiros de tribunais de contas, entre outros — o ministro maranhense, por motivos desconhecidos, optou por manter a investigação sob sua jurisdição, alegando “suporte empírico” das ações constitucionais de sua relatoria, usurpando a autoridade do STJ.

Subordinar o resultado de uma ação de controle concentrado à finalização de uma investigação da Polícia Federal é confirmar o declínio do Direito Brasileiro. Mais do que isso: é abrir as portas do inferno para o caos da insegurança jurídica com diversas anomalias resultantes de decisões duvidosas e usurpação de competências.

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